Toda pergunta muda de resposta quando mudamos o contexto em que ela é feita.
Assim, a pergunta “o que é design?” tem respostas muito diferentes se mudamos o local, o momento histórico, os grupos sociais, e assim por diante. E é aí que mora a trapaça: as respostas propostas pra essa pergunta vinham de pessoas diferentes que pensavam estar falando num mesmo contexto, mas não estavam.
No contexto científico, a resposta pra essa pergunta é surpreendentemente simples: design é a prática social de designers – aquilo que os designers fazem. Essa prática exibe variações, mas nada demais, com certeza nada mais complexo do que quarks e fótons, ou planetas e estrelas – e não estamos perdendo nosso tempo discutindo “o que é física?”.
Mas note-se que essa resposta não fala nada sobre as coisas que os designers fazem.
A pergunta busca uma compreensão do design, que pode ser tanto uma compreensão geral e abstrata quanto algo mais prático e concreto. Se a gente busca essa resposta mais prática, os detalhes das coisas que os designers estão fazendo aparecem mais. Por exemplo, o designer de cadeira acaba mexendo muito com altura de encosto lombar, o designer de fonte é obcecado por kerning, e assim por diante. Então a resposta prática de “o que é design?” envolve muito essas coisas que os designers estão fazendo. E é daí que vem a treta. Porque se alguém diz que designer não mexe com cadeira, parece que está dizendo que designer não pode mexer com cadeira. E aí a discussão virou “o que designers podem ou não podem fazer?” — a pergunta mudou de contexto e acabou virando outra coisa muito diferente.
Num contexto científico, nosso foco está no entendimento. Tipo: a ciência biológica não precisa alimentar os animais e as plantas, precisa apenas entender como elas funcionam, já a astronomia estuda corpos celestes que a gente pode ver mas que na verdade nunca vamos chegar lá. O contexto científico libera a gente dessas respostas práticas que geram treta.
Isso não quer dizer que a ciência ignora a prática. Muito pelo contrário. A prática é o critério da verdade (BATMAN, 2021). Esse conhecimento científico que estamos buscando só é válido quando ele diz a mesma coisa que a prática diria. Mesmo assim, quando a gente pergunta “o que é design?” num contexto científico, isso facilita nossa resposta.

Estamos supondo que a simplicidade da definição científica vem de não disputar quais são as coisas que os designers fazem. Isso é útil pra ciência porque delimita o objeto. Em cientifiquês, “delimitar o objeto” significa deixar bem claro do que é que estamos falando, pra eliminar ideias que parecem ter a ver, mas não têm. Essas ideias são muito mais comuns do que a gente imagina, e normalmente a gente ignora elas sem problema nenhum, mas na ciência é um tiro no pé ignorar isso, porque o entendimento está justamente em eliminar essas confusões.
O problema é que os designers estão sempre tentando aplicar suas habilidades de projeto a coisas que, antes, não faziam parte do design, então precisamos tirar as coisas da nossa definição de design, se não ela vai ser uma delimitação capenga, que delimita cada hora um assunto diferente.
Tudo bem, mas os designers passaram meio século quebrando pau pra decidir qual a resposta final do “o que é design?” — será que foi perda de tempo? Ou será que essa resposta científica que é no fundo inútil?
Nem uma coisa nem outra. Ciência e design são coisas diferentes, portanto essas respostas diferentes servem pra coisas diferentes. O foco no entendimento, que a ciência nos dá, pode nos ajudar a entender design. Entender design parece uma coisa boa para designers, não? E essa perspectiva científica ajuda muito — com ela, podemos compreender o design melhor do que sem. Estaríamos nesse caso fazendo ciência do design.
Mas isso tem um porém. Um cientista do design é diferente de um designer.

Pra ser direto: um doutorado em design vai ser aprovado se ele criar conhecimento científico sobre o ato de projetar, e não se ele fizer um bom projeto. Ele pode até fazer um bom projeto que tem a ver com a sua pesquisa, mas para a ciência isso não é importante. Tipo, se um projeto que dá errado, e nisso a gente descobre algo que atrapalha o design, isso é uma oportunidade científica, porque essa descoberta pode gerar novos conhecimentos.
Uma mesma pessoa pode desempenhar os dois papéis, ser designer e também estudar o design. Mas enquanto ele estiver fazendo ciência do design, ele é cientista. O que quer dizer que ele tem que obedecer as regras do jogo científico, não do jogo do projeto. Em outras palavras, tem que seguir o método científico, não a metodologia de projeto.
Só que essa questão da metodologia é muito forte no campo do design, então é muito fácil confundir essas duas metodologias. Ou seja, a pessoa começa tentando fazer ciência do design, se envolve com algum projeto, e acaba “resolvendo o problema” sem gerar conhecimento nenhum — desempenha o papel de designer e não o de cientista.
E talvez essa ciência do design nem seja necessária — ou, pra ser mais sincero, essa é outra treta, uma outra forma de transformar “o que é design?” em “quem pode fazer design?”, e eu não quero entrar nessa briga. Mas eu vou supor que você esteja interessado em pesquisar design — pelo menos, eu estou. Então é preciso separar as duas metodologias.
A chave está justamente no foco.
- Metodologia de projeto: foco em resolver um problema.
- Metodologia científica: foco em compreender questões.
Isso faz muita diferença, é claro, e nem caberia num post só toda essa diferença. Mas esse outro foco muda a estratégia, que por sua vez muda a forma de trabalho.
A metodologia, de certa forma, é uma sistematização do know-how, do nosso modo de trabalhar. O know-how do designer, muito baseado num pensamento visual, é útil, inclusive para fazer ciência. Mas ele não é suficiente. Em outras palavras, um designer, quando começa a pesquisar, tem que aprender novos truques. Às vezes, quando você está nessa situação, os truques que você já sabe são maus hábitos, porque você recai neles ao invés de aprender algo novo, e acaba não usando atalhos que facilitariam a sua vida.
Um exemplo ótimo é essa pergunta que abriu o post. Usando as ferramentas da ciência (a delimitação de objeto), ela se torna simples. Mas quantas pesquisas de design perderam tempo tentando responder o que é design?
O que eu quero dizer não é que a ciência seja fácil. Há perguntas que são fáceis num contexto de projeto, mas muito difíceis num contexto científico. O que eu quero dizer é que pesquisar design de forma científica é uma oportunidade nova e ainda, infelizmente, inexplorada.

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